Desde 1990 o Brasil conta com um conjunto de normas direcionadas para crianças e adolescentes, entre elas podemos mencionar o Artigo 227 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90 e a Convenção dos Direitos das Crianças da ONU que foi ratificada em 1989 pelo Estado brasileiro.
Este arcabouço legal é sustentado pela Doutrina da Proteção Integral, que traz como valor ético o respeito aos direitos humanos e a condição peculiar da criança e do adolescente de serem sujeitos em processo de desenvolvimento, necessitando proteção da família, da sociedade e do poder público.
Na esteira da história, outras leis protetivas foram sendo editadas, abordando variados aspectos, entre eles o abuso sexual de crianças e adolescentes.
Neste norte, surgem as leis 13046/14 e 13185/16 que determinam concomitantemente a existência de profissionais habilitados nos espaços institucionais (escolas-hospitais-abrigos-clubes) para identificarem sinas de abusos e maus tratos praticados contra crianças e adolescentes e a promoção de ações de diagnose, prevenção e combate a prática do bullying.
Os recentes episódios de abuso sexual denunciados no contexto da prática esportiva da ginástica artística por crianças e adolescentes, envolvendo Fernando de Carvalho, ex-técnico da seleção brasileiro e do MESC de São Bernardo do Campo/SP, coloca algumas questões no centro do debate quanto a responsabilidade de cada um na mencionada situação.
Como apurado pela reportagem do programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, são dezenas (mais de 40) relatos de crianças e adolescentes vítimas, durante anos seguidos.
Na esteira das graves denúncias apontadas contra o professor, o atleta Diego Hypolito, campeão mundial no esporte, trouxe um dramático relato de ter sofrido ações sistemáticas de bullyings por parte de colegas atletas mais velhos, com a conivência de professores.
A pergunta colocada no centro deste debate, para além da imperativa necessidade de proteção das vítimas, é como fica a responsabilidade de cada um neste contexto.
Primeiramente, é preciso apurar se as instituições implicadas nesta grave história estavam cumprindo as obrigações das leis 13046/2014 e 13185/2016.
Em caso negativo, poderão responder administrativamente no Juizado da Infância e Juventude, podendo sofrer a aplicação de uma multa pecuniária.
Na esfera criminal, no que se refere a conduta do professor temos, em tese, indícios da prática dos crimes de estupro (Artigo 213 do Código Penal Brasileiro) e estupro de vulneráveis (Artigos 217A), neste último delito quando a vítima for menor de 14 anos, notadamente pela prática de atos libidinosos.
No caso das ações de bulliyngs sofridas pelo atleta Diego Hypolito temos, em tese, o crime de constrangimento ilegal (Artigo 146 do Código Penal Brasileiro), se outro crime mais grave não foi perpetrado. Neste caso, este último prevalecerá em relação ao primeiro crime. Seria o caso do próprio crime de estupro ou estupro de vulneráveis.
Importante registrar que não somente os alunos, colegas mais velhos do atleta, responderão pelos crimes. Os professores e auxiliares também poderão respondem por tais atos delituosos.
No campo da reparação, teremos como um desdobramento ex-delito, a responsabilização dos clubes e instituições envolvidas, como federações e confederações, caso se comprove que os prepostos (dirigentes-coordenadores técnicos-presidentes) das mesmas tinham conhecimento dos fatos e se omitiram diante deles ou não adotaram as medidas cabíveis de proteção, fazendo prevalecer uma responsabilidade a partir da culpa in elegendo e/ou culpa in vigilando.
Não podemos deixar de considerar as hipóteses de sanções decorrentes do direito desportivo em relação as instituições esportivas, que merecem um capítulo à parte.
Fato é que devemos considerar que toda esta análise jurídica é reativa e tardia, atendendo apenas o campo da reparação e responsabilização.
É preciso uma política preventiva e protetiva para crianças e adolescentes, fazendo inibir a perversa prática do abuso sexual e do bulliyng, consolidando o esporte como um espaço saudável de desenvolvimento cidadão infanto-juvenil.